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"Agora é tempo para erguer nossa nação das areias movediças da injustiça racial e da discriminação para a pedra sólida da fraternidade." (Rev. Martin Luther King Jr.)

Sejam bem-vindos ao NEGOSPEL!

O que vem a ser o NEGOSPEL? - NEGOSPEL é um MOVIMENTO NEGRO EVANGÉLICO virtual e, ou, presencial cuja missão é de conscientizar os afrodescendentes e interessados no assunto quanto à sua historicidade, identidade, autovalorização e espaço tanto do ponto de vista histórico-teológico como étnico-sócio-racial lutando, assim, pela reparação nas áreas supra-citadas dentro de um recorte racial justo e verdadeiro ante às inúmeras injustiças resultantes na atual estratificação social. Portanto, continue conosco interagindo e divulgando nosso trabalho e muito obrigado pela sua visita!

Afroabraços,

Henrique Coutinho.



quarta-feira, 4 de novembro de 2009

NEGROS EVANGÉLICOS DEBATEM RACISMO E DISCRIMINAÇÃO NAS IGREJAS.

ENTREVISTA: Fonte - Jornal Ìrohin.
JORNALISTA: Jamile Menezes Santos, Jornalista(Bahia)
jamyllem@hotmail.com.


"São 15 milhões de pessoas pretas de cabeça baixa nas igrejas, achando que são descendentes do continente do demônio", afirmou o teólogo Walter Passos, no I Encontro Nacional de Negras e Negros Cristãos, realizado em Salvador no mês de abril. A iniciativa foi do Conselho Nacional de Negras e Negros Cristãos (CNNC), organização que vem debatendo a questão racial em diversas igrejas evangélicas em todo o país há cerca de um ano. Passos preside o CNNC, que é composto por fiéis de igrejas como a Presbiteriana, Batista, Adventista, Assembléia de Deus e a Metodista tendo a participação, até então, de estados como Rio de Janeiro, Alagoas, Minas Gerais, Espírito Santo, Paraná, São Paulo e Bahia. Criado a partir de debates e discussões por e-mails, o Conselho hoje vem promovendo encontros regionais, levantando o tema entre jovens e adultos negros - homens e mulheres evangélicas pelo país. Em entrevista, o presidente do CNNC falou ao Ìrohìn sobre este debate. Confira.




Ìrohìn - São 15 milhões de evangélicos negros no Brasil. O que pensa este contingente hoje quanto às suas identidades negras?
Walter Passos - Os evangélicos são os que têm um processo de negação maior quanto ao seu pertencimento à comunidade negra. A pobreza e a desorganização, além da falta de políticas públicas, fazem com que nosso povo procure o mínimo de bens materiais através dos sacrifícios (ofertas), negando seu próprio ser. A discriminação em nenhum momento é questionada e nas igrejas históricas, o racionalismo branco é imitado. Em todas as três correntes do protestantismo no Brasil, a máscara branca está desfigurando a essência dos pretos e pretas e esse fato é um anti-evangelho de Yeshua (Jesus), que foi o mais importante preto da história da humanidade.


Ìrohìn - De que forma isso é visto nas igrejas?
Walter Passos - No comportamento dos (as) pastores (as), por exemplo, que se explica na formação teológica: as faculdades e seminários são formadores de teologias excludentes, baseadas no medo e na negação das raízes africanas. Os sermões, que seriam o grande alimento das comunidades, se tornaram mecanismos de dominação através da palavra e demonização das culturas africanas. Há um processo de branqueamento escandaloso nas lideranças pastorais negras. O mais difícil de encontrar é pastores pretos casados com mulheres pretas, porque o padrão de beleza europeu é propagado dentro das comunidades. Tudo que é belo é branco e tudo que é demoníaco é preto, por exemplo. A direção das igrejas não está com as lideranças pretas. Na Bahia, qual o pastor preto consciente que pastoreia uma grande igreja? Se somos 15 milhões, deveria haver pelo menos 650 mil pastores (as) pretos. Acontece que para estudar teologia é necessário ter condições financeiras e nosso povo não possui essas condições.


Ìrohìn - O Encontro Nacional, realizado em abril, reuniu expressivas delegações de diversos estados. Existem singularidades quanto ao engajamento por região?
Walter Passos - As diferenças são evidentes. O estado da Bahia é o que sofre a maior discriminação, tendo também a maior organização de juventude afrocentrada e atuante. A Bahia é um imenso paradoxo, porque somos a maioria da população preta que guardamos grandes ensinamentos ancestrais e o estado onde há menos políticas públicas de combate à discriminação.


Ìrohìn - Qual o papel dessa juventude?
Walter Passos - A juventude afrocentrada do CNNC é a espinha dorsal da organização, como está sendo em todo o Movimento Negro Brasileiro. A diretoria do CNNC Bahia é composta de 100% de jovens, sendo um marco na nossa organização no Brasil. Os jovens não aceitam as mazelas que as igrejas têm feito com nosso povo e são os grandes questionadores, não sentindo tanto temor das lideranças das igrejas como os idosos e adultos.

Ìrohìn – E o que é que o CNNC traz para o debate junto a esse público?
Walter Passos - A nossa luta se dá dentro do cristianismo, que participou ativamente da formação ideológica do Brasil: legitimou, abençoou, traficou, explorou e enriqueceu com tráfico dos nossos ancestrais, mantendo ainda uma violenta discriminação em todas as igrejas, seja a católica ou a protestante. Sendo assim, debatemos a discriminação racial e a sua superação dentro das igrejas cristãs, a luta como entidade preta cristã contra todos os tipos de exploração na sociedade, a organização do povo preto cristão, a propagação e a prática do pan-africanismo, a formulação de uma teologia preta e a questão de gênero, pois sabemos que a mulher preta é a mais discriminada dentro do cristianismo, além de outros temas. Trocamos informações, literaturas, realizamos encontros e aprendemos a ouvir os especialistas negros, porque sabemos que não podemos confiar nos teólogos (as) brancos e seu academicismo, o que é ideológico e visa manter a dominação e escravização mental do povo preto.


Ìrohìn - Um ponto central nesta discussão, para vocês, é a Escola Bíblica Dominical (EBDs). Por que é importante questionar essa Escola?
Walter Passos - A escola bíblica dominical dentro das igrejas históricas e pentecostais tem uma função de grande importância que é a formação do membro da igreja. A EBD é uma escola com objetivo de branqueamento, pois leva as pessoas negras, desde pequenas, à negação de suas origens. Ela reforça os preconceitos, acaba com sua auto-estima. Reforça o machismo, ensina um Deus branco baseado no medo, cópia do senhor de engenho. É necessária uma reformulação das EBDs, mas, nessa estrutura de igrejas que existe, é muito difícil.


Ìrohìn - Por que então não fundar uma outra Igreja, criar uma outra Bíblia?
Walter Passos - A função do CNNC não é formar uma nova denominação evangélica, mas, atuar dentro das igrejas de forma contundente. Queremos fundar a Comunidade Cristã Pan-Africanista, onde poderão atuar livremente e louvar a Yeshua conforme a sua africanidade. O CNNC não é uma igreja, mas uma organização pan-africanista. O cristianismo que temos hoje no planeta, e inclusive em várias regiões da África, é um cristianismo caucasiano deturpado. Os teólogos brancos, com mestrados e doutorados, conhecem a verdade e não ensinam. Há interesse ideológico em se manter um povo dominado. Estamos escrevendo o livro Cristianismo de Matriz Africana, objetivando informar o nosso povo preto dessas verdades escondidas.


Ìrohìn - Como é a reação dos (as) negros (as) evangélicos (as) ao serem chamados para este debate em suas igrejas? Há reações mais ou menos adversas em alguma delas?
Walter Passos - As reações são as mais diversas possíveis, porque a catequese católica e a forma de evangelização que sofreram os nossos ancestrais foram violentas e hoje a violência é ideológica. Os negros cristãos no Brasil estão com os olhos vendados e temem o inferno ensinado pelos brancos. Tenho conversado com pastores de diversas denominações e lideranças que sabem da discriminação racial e ficam calados, sendo co-participantes e alimentadores das mentiras. Por isso o CNNC não acredita e não participa do chamado Movimento Negro Evangélico (MNE) porque é um movimento que se apóia em organizações e lideranças brancas. Outro fator importante é que a luta pela emancipação do povo preto tem que ter a base familiar, e ainda não vi a maioria masculina dessas lideranças do MNE levar suas famílias para as reuniões. Será porque as suas mulheres são brancas e eles têm vergonha de suas companheiras? Como podem liderar e falar da discriminação racial se a própria família não é participante? Acreditamos que os pretos têm que trilhar os seus próprios caminhos e ditar as regras de sua própria emancipação.


Ìrohìn - Há a participação da Igreja Universal do Reino de Deus no CNNC?
Walter Passos - A questão da IURD (Igreja Universal do Reino de Deus) é bem interessante. No censo do ano 2000, possuía 2.101.887 membros, possuindo um poder imenso de comunicação. A IURD tem como chamamento a idéia da maldição hereditária. Hoje os negros lá se sentem amaldiçoados, todos os seus problemas são resultantes do chamado encosto que vem acompanhando a família desde a África. Sendo assim, se toma “fácil” nessas igrejas a comunidade negra enfrentar os graves problemas sociais que a afligem. A presença crescente de descendentes de africanos nessas igrejas é conseqüência da constante expulsão que sofrem nas igrejas históricas, na conversão forçada ao catolicismo, na falta de reação das religiões de matriz africana e seus paralelismos e sincretismo. São co­locados fora dos muros do bem- estar social e as fronteiras sociais se manifestam também religiosamente. A realidade dos pretos nestas igrejas é de extrema preocupação: explorados financeiramente e crendo numa falsa libertação, vivenciam um processo de alienação de seus problemas. Odeiam sua própria cultura, rejeitam sua história e permitem que a memória de seus ancestrais seja ultrajada, recebendo o rótulo de “demoníaca”.


Ìrohìn - E quanto aos adeptos do Candomblé?
Walter Passos - A liberdade religiosa tem que ser defendida. O que notamos é que algumas pessoas querem falar pela religião do candomblé e repetem a prática branca de falta de respeito com os negros. Antes de sermos religiosos, somos pretos. Posso mudar de religião, de opção sexual e de ideologia. Só não posso deixar de ser preto-africano no Brasil.


Ìrohìn - De que maneira o CNNC atua frente à intolerância religiosa de setores evangélicos contra as demais crenças de origem africana?
Walter Passos - A nossa organização é contrária aos ataques perpetrados pelas igrejas evangélicas às crenças dos nossos antepassados e de nossos irmãos. Todas as igrejas evangélicas são desrespeitosas com as crenças de matriz africana. Há vozes proféticas em diversas denominações, mas a prática é de extrema violência e falta de respeito. Os pretos evangélicos não são os culpados pela falta de respeito, muitos são repetidores dos ensinamentos deformados das igrejas.


Ìrohìn - Pan – Africanismo e Religiosidade. Qual a relação e de que forma o CNNC vem integrando ambos os temas pelo Brasil?
Walter Passos - O Pan-Africanismo é a saída para a união do povo preto nessa diáspora forçada. Quando o CNNC se coloca como uma organização pan-africanista é para desmistificar a idéia pregada de ecumenismo das igrejas protestantes, baseado em palavras que mantêm nosso povo afastado de suas decisões “ecumênicas”. O Ecumenismo é a grande mentira das igrejas brancas. Temos que ter uma preocupação com o nosso povo e essa preocupação é um ato de espiritualidade e prática. Lutamos por uma organização de autogestão e o CNNC, com seu teor pan-africanista, acredita que o próprio povo tem que se libertar da segunda escravidão que o levou à inércia em relação aos seus próprios problemas.

Ìrohìn – Quais os principais resultados do Encontro Nacional?
WP - O Encontro Nacional foi uma grande vitória do povo preto, independente de religião, mostrando que podemos ter um objetivo de liberdade. As mulheres e homens pretos só podem louvar em comunhão quando aquelas e aqueles que se dizem irmanados na mesma fé de Yeshua reconhecerem que o racismo, antes de ser ontológico, é moral. Que temos o direito de desenvolver os nossos destinos através da nossa identidade africana, representado a nossa corporalidade através da nossa ancestralidade. Enquanto isso não ocorrer e houver a exploração da comunidade branca sobre o nosso povo, a comunhão não existe, porque estaremos mentindo para nós mesmos, enganando nossos jovens e alienando nossas crianças. Não há comunhão sem a real vivência do evangelho de justiça de Yeshua.

Conheça mais sobre o CNNC em www.negroscristaos.com.br .

NEGROS TÊM PRESENÇA MARCANTE NA BÍBLIA.

Apesar da quase nulidade de arquivos ou estudos bíblicos acerca da figura do negro como participante na História Sagrada, algumas linhas de estudo apontam para uma revelação no mínimo curiosa: Sulamita, a predileta do coração de Salomão e inspiradora dos poemas de amor do livro de Cantares, provavelmente foi uma bela negra. De acordo com alguns estudiosos dos textos sagrados, as filhas de Jerusalém protestaram quando descobriram que o maior poema de amor de todos os tempos havia sido dedicado a uma negra. Essa teria, então, respondido à atitude preconceituosa através do próprio poema: "Eu estou morena e formosa, ó filhas de Jerusalém, como as tendas de Quedar, como as cortinas de Salomão" (Cantares 1.5).

Salvo algumas controvérsias a respeito da tradução desta passagem, o texto traduzido para o inglês, segundo alguns intérpretes, no entanto, não deixaria dúvida: "I am black but comely", diz o texto, que traduzido significa: "Eu sou negra, mas agradável".

Bíblia, um livro branco?

Para o pastor e presidente da Academia Evangélica de Letras do Brasil (AELB), Amaury de Souza Jardim, , os textos dos Cantares de Salomão não indicam com certeza que Sulamita fosse uma negra:


Os textos falam de "morena", queimada de sol". Existe uma boa possibilidade, mas não podemos afirmar - disse.

O pastor e teólogo Claudionor Corrêa considera, entretanto, o texto em inglês como suficiente para uma conclusão:

Apesar da infelicidade da partícula adversativa (referindo-se ao mas aplicado ao texto), essa tradução parece estar mais de acordo com o original hebraico - afirmou em um artigo sobre o assunto.

De acordo com o pastor, a Bíblia foi vista como um livro exclusivamente branco e interpretado através do filtro colonialista pelas nações européias, com exceção dos missionários que corriam o mundo propagando a Palavra de Deus. "Jamais nos esqueçamos de que a Bíblia começou a ser escrita na África", lembrou.

É bem verdade. O livro de Gênesis, que fala da história da criação e da queda do homem — também conhecido como o Índice das Nações — faz referência a pelo menos três grandes nações africanas: Cuxe, Mizraim e Pute, que hoje são Etiópia, Egito e Líbia.

África separada

Até a construção do Canal de Suez, conta a história, não se fazia distinção entre as terras bíblicas. E o cenário da atuação divina ia do Nilo ao Eufrates. Para o faraó, a península do Sinal ainda era Egito, e este nunca deixou de ser África, de qual continente também fazia parte Israel. Com a construção do Canal de Suez, em 1859, a África foi separada do que hoje é conhecido como Oriente Médio, com reflexos dessa separação na cultura e na história da nação africana.

Para o pastor Claudionor, Israel é uma nação tão africana quanto semita, e a mensagem que esta leva ao mundo teve seu início no continente negro. No entanto, segundo o pastor, é necessário que sejam derrubados alguns mitos acerca de certas passagens bíblicas, que dão margem a interpretações equivocadas.


Já disseram que a cor negra é o sinal que o Senhor colocara em Caim por haver este matado Abel, seu irmão, em Gênesis 4.15, ou que o negro surgiu por causa da maldição imposta pelo patriarca sobre a irreverência de Caim, em Gênesis 9.25. São teses falhas, dúbias e perniciosas. De acordo com a concepção hebraico-cristã, não há nenhuma maldição em ser negro, nem bênção em ser branco — rechaçou.

Esposa negra de Moisés

A Bíblia descreve a atuação de negros em outras passagens e livros. Quando Jeremias, por causa de uma profecia, foi lançado no calabouço de Malquias, foi um etíope chamado Ebede-Meleque, que intercedeu por ele junto ao rei Zedequias. Apesar de parecer revestido de discriminação por conta da raça, o episódio que envolveu Moisés e uma mulher cuxita (etíope) também registra a história do negro nas Escrituras Sagradas, mas segundo os teólogos, o preconceito foi mais em função do politeísmo da cuxita (culto a vários deuses) do que propriamente por causa da origem racial da esposa do profeta.


No capítulo 12 do livro de Números, Miriã e Arão, falaram contra Moisés "por causa da mulher cuxita que tomara". Mas a crítica foi em função da permissividade de Moisés com relação à religião da mulher cuxíta, ou seja, por esta não ter origem judaica — afirmou o pastor Amaury Jardim.

Apesar de muitos africanos ainda verem a Igreja como de origem européia, uma análise mais atenta sobre a História Sagrada vai demonstrar que a Igreja do Senhor Jesus sempre foi tão multirracial quanto hoje, porque a Bíblia, efetivamente, começou a ser escrita na África.

O verdadeiro descendente de Abraão não é branco nem negro, pois no céu não vai existir pigmentação. Na verdade, a Bíblia afirma que o renascido em Cristo será mesmo resplandecente. "Então, os justos resplandecerão como o sol no reino de seu Pai. Quem tem ouvidos (para ouvir), ouça" (Mateus 13.43).

(Texto Transcrito de Silvia Gadelha - Folha Universal)

O NEGRO E A BÍBLIA.

COMO UM TEÓLOGO VÊ A OPRESSÃO RACIAL NA SOCIEDADE E NA IGREJA.
Obtive permissão para acrescentar este artigo de extrema importância do
conhecido e extraordinário biblista que Joaquim Beato. Citado por muitos como
um dos primeiros a atuar na preparação da Teologia da Libertação na década de
50, ao lado de Richard Shaull, século XX, estudou na Escócia e na Inglaterra,
em Glasgow e Oxford, respectivamente, tendo realizado pesquisas e altos estudos
sempre na área da Teologia Bíblica. É um biblista de alto reconhecimento, não
há dúvida. Seu currículo em participações internacionais, como teólogo latinoamericano,
para ser lido por inteiro, necessita meia hora de leitura ininterrupta,
no mínimo. Presenciei isso quando o apresentava a alunos da Faculdade de
Teologia da igreja da qual somos professores e pastores. Ele é pastor emérito da
Igreja Presbiteriana Unida (IPU), tendo completado 60 anos de ordenação. Em
tempo, é negro e ainda, aos 85 anos de idade, participante ativo em movimentos
que tratam de libertação racial, na igreja e na sociedade, especialmente dos que
cuidam da pessoa negra e afrodescendente.
Derval Dasilio
PÁSCOA DE 2007
_______________________________________________________
O NEGRO NA BÍBLIA
É num texto biblico que tem sido procurada a justificação do escravismo e do
racismo anti-negro, entre os cristãos (Gn 9e20-27). Por isso, convém lançar um
olhar, ainda que rápido, sobre a Bíblia, num sentido mais amplo, para uma
verificação mais segura do testemunho das Escrituras Sagradas sobre o negro.
Temos na Bíblia o testemunho da presença do negro no quotidiano da sociedade
israelita.
1. Um escravo negro (cuxita) foi o mensageiro escolhido para levar a Davi a
notícia da morte de seu filho e adversário, Absalão (28m 18.21-32). Um escravo
ou um mercenário negro, por ser um estrangeiro foi, talvez por isso, preferido
pelo comandante Joab, para levar ao rei a trágica notícia.
2. Depois de ter lido em público os oráculos de denúncia e ameaça do profeta
Jeremias, Baruque, seu secretário, foi intimado a comparecer diante dos grandes
de Judá, levando-lhes o rolo (Jr 36.1- 26). O mensageiro enviado para convocar
Baruque foi Jeudi, bisneto de um negro (cuxita; Jr 36.14; CNBB e NTLH).
3. Por sua mensagem, que aconselhava abertamente a rendição de Judá a
Nabucodonosor, rei de Babilônia, Jeremias foi perseguido como traidor da pátria
e entregue pelo rei Zedequias ao arbítrio dos príncipes. Estes o jogaram num
poço em que não havia água, só havia lama (Jr 38.1-6). E o profeta se atolou na
lama, correndo o perigo de se afogar e morrer. Aparece, então, um negro, um
cuxita, cujo nome é dado como Êbed-Mélekh (literalmente, servo, isto é,
2
ministro do rei). Ele vai ao rei, intercede por Jeremias e consegue permissão
para salvar a vida do profeta. Esse negro é, portanto, alguém em alta posição na
corte, tendo acesso direto ao rei, que o devia ter em alta consideração, e, por
isso, atendeu seu pedido, embora fosse em desafio à decisão dos príncipes,
diante dos quais o rei se confessara sem nenhum poder (Jr 38.3, 7-13). Essa foi
uma ação tão notável que o etíope Êbed-Mélekh recebeu, em recompensa, um
oráculo, por intermédio do próprio Jeremias, em que lhe era prometido
livramento, quando acontecesse a destruição de Jerusalém pelo exército de
Nabucodonosor. Sua vida seria poupada, porque ele confiara no Deus Eterno (Jr
39.15-19).
4. Duas coisas chamam a atenção no cabeçalho do livro de Sofonias (Sf 1.1). A
primeira: é o único entre os profetas que tem seus antepassados citados até a
quarta geração. Charles Taylor Jr. afirma: "A razão é, sem dúvida, porque o
Ezequias mencionado é o rei daquele nome, que governara Judá de 715 a 687 a.
C.,, A segunda: Sofonias é declarado filho do Negro (Cuxita). Podem ser
formuladas duas hipóteses, para explicar esse caso: uma dama nobre, neta do rei
Ezequias, casara-se com um etíope, com um negro, que veio a ser o pai do
profeta; ou, então, seu pai, este sim, neto de Ezequias, recebera o nome de
Cuxita (etíope), em homenagem ao Egito, pais com que Judá se aliara em
oposição à Assíria. Qualquer que seja a hipótese adotada, torna-se evidente a
alta conta em que eram tidos os cuxitas (etíopes, negros) pela família real de
Judá.
5. Abraão foi o pai dos crentes, para judeus e cristãos, seu primeiro
antepassado na fé (Gn 12.1-4a), que teve a honra de ser considerado um dos dois
amigos de Deus, no AT (Is 41.8). Para os maometanos, ele foi um dos quatro
grandes profetas: Ibraim, Musa, Issa e Maomé. Seu primeiro filho, Ismael,
nasceu de sua relação com Agar, escrava egípcia, camita, portanto, negra, visto
como Gn 10.6 e lCr 1.8 colocam Etiópia, Egito, Líbia e Canaã como filhos de
Cam. Além disso, Deus sustentou, no deserto, essa mulher negra e seu filho e,
mais ainda, concedeu-lhe o privilégio de uma teofania, isto é, apareceu diante
dela e lhe falou (Gn 16.1-16; 17.23-27; 21.8-21). Através de Ismael, Agar se
tornou a matriarca de numerosos povos beduínos que habitavam o sul da
Palestina. E, segundo outras tradições, tornou-se uma ancestral de Maomé, o
fundador do islamismo, tido como descendente de Ismael.
6.Da máxima importância, neste contexto, é uma tradição que envolve o próprio
Moisés, o líder máximo do povo de Deus, no AT, libertador do povo de Israel,
em seu Êxodo do Egito, fundador da fé “javista.” Grande profeta, que também
teve o privilégio de ser considerado, como Abraão, um amigo de Deus. Homem
ímpar, de quem se diz: “Nunca mais surgiu em Israel profeta semelhante a
Moisés” (Dt 34.10-12). Existem três diferentes tradições sobre a origem étnica
de sua esposa. Uma atribui a ela origem midianita (Ex 2.16-22; 3.1; 4.24-26;
18.1; Nm 10.29). Outra, uma origem quenita (Jz 1.16; 4.11). A terceira fala de
seu casamento com uma cuxita (etíope, negra; Nm 12.1). Em todas as três, o
grande libertador de Israel tem por esposa uma mulher estrangeira. A terceira
tradição fala de uma esposa etíope, embora num texto que contém algumas
dificuldades. Qualquer que seja a solução das dificuldades, o texto indica, de
maneira suficientemente clara, que se trata de um casamento recente e, por
3
conseguinte, a esposa mencionada não era Zípora. E mais, que a causa da
rebelião de Minam foi a posição de Moisés como mediador único entre Deus e o
povo (Nm 12.2). Conclui-se, então, que não há nenhuma recusa contra o fato,
que é aceito, portanto, como normal, de que o fundador e legislador do povo de
Israel, -- o homem com quem Deus falava "face a face", a quem colocara “como
responsável” por todo o seu povo, -- o fato de que Moisés tivesse desposado
uma cuxita, uma mulher etíope, uma mulher negra.
7. Salomão foi, segundo a tradição, o mais sábio, o mais rico e o mais famoso
dos reis de Israel, e construtor do primeiro templo de Jerusalém. Pois bem, entre
as mais importantes raínhas-esposas de Salomão, estava a filha de um faraó da 2
ia dinastia, o faraó Shishak (cerca de 945-924 a.C.), pertencente a uma dinastia
de famosos mercadores. Essa egípcia era a mais importante das raínhas-esposas.
Seu pai tomou a cidade de Guézer dos canaanitas e deu-a como dote à filha, à
esposa camita, à rainha-esposa negra de Salomão (1Rs 3.1; 9.16; 11.1).
II
Temos, na Bíblia, o testemunho sobre a imagem dos negros como pareciam aos
olhos dos israelitas.
1. Os etíopes habitavam num país distante, remoto (Ez 29.10; Et1.1; 8.9), que
ficava nos confins da terra (Sl 72.8-9). No mundo da cultura grega, igualmente,
Homero, no nono ou oitavo século a. C., dizia: “Posêidon, porém, partira para
longe, em visita aos etíopes, que vivem nos confins da Terra...” (Odisséia 1.22-
24).
2. Seu pais era muito rico (Is 45.14a; Jó 28.19). Também no mundo da cultura
grega, talvez um século depois dessa passagem bíblica, Heródoto fala de
presentes enviados por Cambises, da Pérsia, a um rei dos etíopes: “um traje de
púrpura, um colar de ouro, braceletes, um vaso de alabastro cheio de essência e
um barril de vinho de palmeira”; e registra que só em relação ao invento do
vinho o rei etíope admitiu a superioridade dos persas. Relata que, na prisão a
que o soberano etíope levou, em visita, os emissários de Cambises, todos os
presos estavam agrilhoados com correntes de ouro, pois, afirma Heródoto, entre
os etíopes não era o ouro o metal mais raro e precioso, mas o cobre (História,
livro m, cps. XX-XXIII).
3. Eram um povo guerreiro. Um povo forte e orgulhoso, de quem o mundo
inteiro tinha medo (Is 18.2; cf. 2Cr 14.8). Esse capítulo de Isaías de Jerusalém
(8o. século a.C.) fala-nos de mensageiros, de diplomatas etíopes, que tinham
vindo tentar conseguir a participação de Judá numa rebelião geral contra a
dominação dos assírios (Is 18.1-2a). A Etiópia estava no auge de seu poder. Em
cerca de 725 a.C., Pianki empreendeu uma vitoriosa campanha militar para o
norte, chegando até o mar Mediterrâneo, e unificou o Egito. Pianki tornara-se,
assim, o primeiro conquistador estrangeiro desse pais. Por cerca de sessenta
anos, na 25a. dinastia, os soberanos etíopes controlaram todo o vale do rio Nilo,
até 663, quando os assírios, sob Assurbanipal, tiraram, finalmente, o Egito de
sob seu poder. Um desses soberanos, Tiraká, parece ter até tentado proteger
Ezequias, rei de Judá, contra a segunda invasão de Senaqueribe, rei da Assíria
4
(2Rs 19.9; Is 37.9), entre 689 e 686 a.C. Um século mais tarde, ao prever a
queda de Ninive (portanto, do império assírio), o profeta Naum cita a destruição
de Tebas e, recordando o período áureo do poderio etíope, diz: “A Etiópia era a
sua força.” (Na 3.9). Isaias, no oitavo século a.C., diz da Etiópia do seu tempo:
«Povo forte e poderoso; um povo de quem o mundo inteiro tem medo" (Is
18,2df).
4. Mas é em Jr 13.23,-- que alguns comentadores cristãos têm interpretado
como se os antigos israelitas compartilhassem o moderno preconceito racial
ocidental, que identifica o negro com o mal -- onde pode, ao contrário, ser
encontrada uma confirmação da fama guerreira dos etíopes: “Pode um etíope
mudar a sua pele, ou um leopardo tirar as suas manchas?” Temos aqui um claro
paralelismo, recurso estilístico dos mais importantes da poesia hebraica. Aqui
ele é sinonímico, isto é, os termos do hemistíquio se equivalem, um por um,
termo por termo:
a. pode um etíope / b. mudar a sua pele,
a'. ou um leopardo / b'. tirar as suas manchas?
A associação dos termos é bastante espontânea e significativa: Etíope, homem
de uma nação poderosa e ameaçadora, que causava medo por seu valor militar;
Leopardo: animal feroz, imagem da força, da rapidez no bote, da agressão
violenta (Os 13.7; Is 11.6; Jr 5.6; Hab 1.8; Ct 4.8; De 7.6).
Não se trata, portanto, de preconceito racial. Quando muito, se trata de um
ressentimento implícito, gerado pelas freqüentes situações de guerra, nas quais
esse “povo de quem o mundo inteiro tem medo” aparecia, ou no papel de
inimigo ou como guerreiros mercenários, lutando lado a lado com o Egito,
apoiando seu imperialismo (1Rs 14.25s; 2Cr 14.8-14; Na 3.9; Jr 46.9; Ez 38.53).
O etíope, o negro, temível guerreiro, é comparado, por uma livre associação de
idéias, a um verdadeiro leopardo feroz. À imagem do etíope associava-se a
imagem do leopardo, o que, nem de longe, se compara aos estereótipos que se
ligam à imagem do negro, em nossa sociedade.
5. Os etíopes, os negros, eram vistos pelos olhos dos israelitas antigos, como
homens belos. As palavras lisonjeiras da diplomacia com que Isaias se refere a
eles (Is 18.2bcd) transpiram admiração. Falam de sua alta estatura, de sua pele
lisa, lustrosa, suave. Também nisso concorre e concorda o mundo da cultura
grega. Heródoto, já citado anteriormente, diz a respeito dos etíopes: “Dizem que
os etíopes são, de todos os homens, os de maior estatura e de mais bela
compleição física... Entre eles, o mais digno de usar a coroa é o que apresenta
maior altura e força proporcional ao seu porte" (História, Livro III, cp. XX).
6. No Cântico dos Cânticos 1.5, fazem da noiva-rainha uma mulher morena,
uma mulher trigueira, uma mulher escura. Mas bons dicionários da língua
hebraica nos garantem afirmá-la uma mulher negra. Ela não diz: “Sou morena”,
mas, “Sou negra” (hebr. Sh.hora 'ani). E não diz:"Sou negra, mas sou formosa";
Diz: “Sou negra e formosa” (hebr. W.na'wah). A conjunção waw pode ter
sentido adversativo, mas é, normalmente. uma simples conjunção aditiva. Podese,
portanto, com fez a LXX (Septuaginta, 250 a.C.), traduzir: “Sou negra e
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formosa” -Mélaina elmi kai kalê. Fica quase a certeza de que o senso estético
preconceituoso e etnocêntrico dos tradutores ocidentais não lhes permite dizer,
simplesmente, “negra e formosa”; preferem dizer “negra, porém formosa" ou
«formosa, embora negra". E nem mesmo «negra" a dizem. Como grande parte
dos brasileiros, inconscientemente (?) preconceituosos, preferem chamá-la
“morena.” E nada empana, nem mesmo essa noiva negra e formosa, esse amor
entre a noiva e o noivo, descrito de maneira tão poética, tão livre e
eloqüentemente, que faz do Cântico dos Cânticos um dos mais belos poemas de
amor da literatura universal.
III
Mais do que isso, temos na Bíblia o testemunho bastante explícito sobre o lugar
dos etíopes, dos negros, no propósito universal e escatológico de Deus.
1. Sua conversão está anunciada abundantemente. Haverá o dia em que
também eles trarão ao SENHOR as suas oferendas. Todas as nações distantes
louvarão o SENHOR. Todos os povos abandonarão seus ídolos e adorarão e
obedecerão somente ao SENHOR (Is 41.1,5; 42.4,10,12; 49.1; 18.7). Superada a
alienação, a idolatria, os povos chegarão a reconhecer no projeto da Aliança o
único caminho possível (Is 45.14).
2. Na mesma perspectiva, falam: a) o salmo 68, especialmente os vv. 29-32,
onde se encontra a seguinte promessa: “E a Etiópia estenderá as mãos para
Deus”; e b) o salmo 87, onde se declara que “O SENHOR escreverá uma lista
dos povos, e nela todos eles serão cidadãos de Jerusalém"(v.6); e, entre esses
povos, são citados, especificamente. os etíopes: “Os povos da Filistéia, de Tiro e
da Etiópia eu tratarei como se eles tivessem nascido em Jerusalém” (v.4b).
3. Mais significativo ainda é Am 9,7. 0 SENHOR Deus é o Senhor de toda a
história humana e todos os povos são iguais diante dele. Israel não deve
presumir ter mais importância para o SENHOR do que os etíopes, os negros:
“Povo de Israel, eu amo o povo da Etiópia tanto quanto amo vocês”. Os filisteus
e arameus foram também objetos do cuidado divino, e suas migrações foram
igualmente dirigidas pela vontade soberana do mesmo Deus que tirou Israel da
terra do Egito e lhe fez a dádiva da terra “que mana leite e mel”. Esse
universalismo expresso no oráculo do profeta nega a qualquer povo uma relação
exclusiva com Deus e afirma a igualdade de todos eles aos olhos dele. E a
relação que é primeiro apresentada nessas vigorosas palavras é a do SENHOR
com os etíopes. Essas palavras combatem qualquer veleidade de orgulho
nacional e, para o nosso tempo e para a nossa sociedade, qualquer sentimento de
orgulho racial.
4. É nessa mesma linha que se coloca a narrativa da conversão do oficial
superior, tesoureiro real, da corte da rainha Candace da Etiópia. A conversão se
deu por intermédio do ministério do evangelista Filipe (At 8.26-39). O texto é
de grande importância, pois mostra:
a.como os helenistas, tendo evangelizado Samaria, partem para a evangelização
das nações, de acordo com o programa do Senhor Jesus, em At 1.8; b. um
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trabalho missionário cristão com uma estrutura reduzida e sob a orientação
direta do Espírito Santo; embora, assim mesmo, esse trabalho estivesse
subordinado aos apóstolos, em Jerusalém; c. sobretudo, para os
afrodescendentes, é importante porque mostra que o primeiro não-judeu
introduzido, pelo poder e pela orientação do Espírito Santo, no novo povo de
Deus, era um etíope, um negro.
Cumprem-se, portanto, no Evangelho de Cristo, a promessa e a esperança do
AT. A partir de Is 53.7-8, que o eunuco está lendo, Filipe lhe anuncia a Boa
Nova a respeito de Jesus. E ele aceita, imediatamente essa Boa Nova. Para José
Comblin “o africano representa aqui um papel messiânico. Foi escolhido para
representar a multidão de nações que viriam até das extremidades da terra pra
formar o único povo de Deus”. Era um homem rico e proeminente. Viera do
norte da África, da região hoje correspondente ao Sudão, para adorar. Era um
homem que estava diligente, sincera e insistentemente, buscando alguma
coisa. Inquieto, procurava alguma coisa que jamais tinha conhecido antes - e a
encontrou. Era um homem negro, que se tornou uma das primícias das missões
cristãs em todo o mundo não-judaico. Ele tornou-se o antepassado de todos os
homens negros, afrodescendentes, ganhos para a fé em Jesus, nesses vinte e um
séculos de história da Igreja e da missão cristã. Um símbolo de inclusão no
projeto do Deus que não faz acepção de pessoas e que, se jamais manifestou
alguma preferência, foi pelos oprimidos, os humilhados, os excluídos.
Do ponto de vista da Bíblia, não há, portanto, por que nós, afrodescendentes,
carregarmos nossa negritude como se fosse um fardo, uma humilhação, idéia
nefasta essa que o racismo anti-negro presente em nossa sociedade insiste em
introjetar, desde nossos primeiros anos de escola, de diversas maneiras, em
muitos de nós. A Bíblia reconhece um Deus que inclui no seu projeto de
salvação até mesmo “os confins da terra” e os humilhados deste mundo*. A
Bíblia dá testemunho da beleza e da força da mulher negra e do homem negro. E
esse reconhecimento e esse testemunho devem constituir um poderoso impulso
para nós, negros cristãos, em nossa luta pela igualdade de oportunidade, pela
nossa cidadania, pelo pleno reconhecimento de nossa humanidade!
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Joaquim Beato
*Portanto, do ponto de vista das justificativas bíblicas que nossos fundamentalistas
evangélicos estão prontos a sacar de suas versões ultra-conservadoras,
onde se poderá sustentar corretamente o que a Bíblia diz sobre negros oprimidos
pelo racismo, aqui e em qualquer parte do mundo? Esse assunto deveria ser
tratado com mais seriedade nas igrejas. Os jovens poderiam ser agentes do
Reino de Deus exigindo mais atenção da Teologia e da Igreja para com o
racismo latente, do qual se poderia dizer que não passa de brasas sob a cinza
(Nota do Editor).

O NEGRO NA BÍBLIA.

Fonte: AfroeducAÇÃO
Terça, 10 de março de 2009
Entrevista com o pastor Selmo Ricardo Reis, sobre a probabilidade de Jesus e de Adão terem sido negros.

Pastor Selmo Reis, o primeiro
batista brasileiro a representar
o Brasil na “Cúpula Internacional
dos Batistas contra o racismo”
Selmo Ricardo Reis é bacharel em Teologia pelo Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil e licenciado em Filosofia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Pastor auxiliar na Saint John Primitive Baptist Church de Delray Beach, Flórida – uma igreja afro-americana -, ele é o primeiro batista brasileiro a representar o Brasil na “Cúpula Internacional dos Batistas contra o racismo”. Nessa entrevista, o pastor mostra, com base em fatos narrados na Bíblia – a bibliografia mais importante dos cristãos – a grande probabilidade de Jesus e de Adão terem sido negros, conforme a região que habitavam.

Por DJ TR¹ (www.enraizados.com.br)
Colaboração para AfroeducAÇÃO
DJ TR:
A Bíblia diz, no capítulo 2 do Livro de Gênesis, que Deus formou o homem à sua imagem e semelhança e o colocou em um local conhecido como 'Jardim do Éden' para a sua sobrevivência. Segundo as Escrituras, o Éden era banhado por um rio que possuía quatro afluentes e um deles era o Eufrates. Este rio está localizado no país atualmente conhecido como Iraque, que fica no Oriente Médio. Dessa maneira, como o senhor explica a imagem branca de Adão, divulgada ao longo dos séculos?

Pastor Selmo Ricardo Reis:
Esta pergunta requer uma série de considerações. A primeira delas é: em que área geográfica Deus criou o primeiro homem? A Bíblia relata que “Deus formou o homem do pó da terra” (Gênesis capítulo 2, versículo 7). Por isso, seu nome Adão (que remete à palavra terra) foi-lhe dado, a fim de que estivesse sempre consciente de sua origem física.
Após dar vida ao homem, Deus plantou um jardim ao leste do Éden e o colocou ali. Com base nesse texto, é possível afirmar que o Éden já existia, antes do “Jardim” que Deus preparou.
Quando se diz que o “Jardim” estava ao oriente, não era outra coisa senão o oriente de Israel. O mesmo diz respeito aos rios Tigre e Eufrates. Estes rios são fáceis de identificar, porque ainda fluem atualmente.
A Bíblia relata que houve um grande dilúvio que dizimou toda a população pós-adâmica (os primeiros descendentes de Adão), exceto Noé e sua família. Esta catástrofe causou uma mudança em toda a geografia terrestre.
Alguns estudiosos afirmam que as mudanças catastróficas dividiram o planeta em continentes - na verdade, se observarmos os continentes, veremos que se encaixam como um quebra-cabeça: o continente africano é ligado à Ásia, através do Egito, e ainda assim, não é considerado um só continente com a Ásia. É possível que tal conversão tenha sido deliberada politicamente, como fora a imposição das fronteiras dos países africanos.
Além disso, provavelmente, antes do grande dilúvio, havia uma extensão maior de terra que ligava a atual Somália ao Yemen e a Etiópia a Arábia, completando, assim, a falha que corta, quase que por inteiro, o continente africano do continente asiático.
Seguindo tal raciocínio, é muito mais fácil compreender as ligações entre os quatro rios das diferentes regiões que a Bíblia apresenta. Sem a presença do Mar Vermelho, a África seria um “Supercontinente“ e, portanto, não haveria nenhum problema afirmar a possível negritude de Adão.


A área mostrada em verde no mapa representa o “Jardim do Éden”,
que foi alagado, quando as águas do golfo subiram de nível
DJ TR:
A Igreja Católica, durante séculos, apresenta a figura de um Cristo branco, loiro e de alhos azuis. Essa é a verdadeira face de um judeu daquela época?

Pastor Selmo:
A BBC de Londres já fez um grande documentário que sugere a possível aparência negra de Jesus Cristo. É interessante que, há quase dois milênios, os crentes etíopes já o representavam com pele escura.
A Bíblia também afirma que os pais de Jesus, fugindo da perseguição do Rei Heródes, levaram Jesus para o Egito, a fim de o esconderem até que a ira do rei se abrandasse. Todos sabem que o Egito é um país africano cujo povo jamais foi totalmente branco, por isso, como seria possível Jesus e sua família se esconderem com segurança num país desses, se fossem brancos de olhos azuis? Seriam reconhecidos rapidamente.
Um Cristo branco, de cabelos lisos e olhos azuis era exatamente o que representava o catolicismo romano em sua origem. Na verdade, era essencial mostrar um Cristo branco, semelhante ao povo dominador de todos os demais povos.
Bem, nós sabemos que as religiões chamadas 'cristãs', que não apresentam a Bíblia como fonte de pesquisa livre para todos, não se interessam em apresentar o caráter fiel de Jesus, pelo contrário, manipulam os povos em nome do seu Cristo, produto de seus interesses.
Por causa disso, inúmeros povos foram discriminados, por não terem nenhuma semelhança racial com os personagens bíblicos. Anjos louros, profetas pálidos como a neve, Cristo branco e até mesmo um Deus Pai, na forma humana, europeu, foram apresentados pela Igreja Católica, a fim de garantir o poder da raça branca, ignorando a afirmação bíblica de que Deus Pai é Espírito, e de que ninguém jamais o viu.
No início do ano 2003, a Rede Globo de Televisão apresentou uma reportagem feita no sul do Brasil sobre uma imagem negra de Maria, mãe de Jesus, que veio da Itália, há quase um século. Ao chegar na comunidade, o povo da igreja não conseguiu aceitar uma mãe de Jesus de aparência africana e, assim, exigiram que a imagem fosse pintada de branco.

DJ TR:
O que o senhor diria àqueles que desejam se aprofundar acerca da nossa história, por meio da Bíblia?

Pastor Selmo:
Leiam a Bíblia, não mais como um livro branco, feito por brancos e para brancos, pelo contrário, leiam-na de maneira inclusiva, vejam-se no conteúdo sagrado e tenham orgulho de saber que seus ancestrais deixaram um grande legado para ser apreciado e ser vivido nas Escrituras Sagradas.
Ademais, o Cristo da Bíblia nunca se identificou com opressores, pelo contrário, estava sempre ao lado dos oprimidos. Seu grande ensino, que é uma arma eficaz contra o racismo em todo o mundo, está presente no conteúdo de sua mensagem: 'Amai ao próximo, como a ti mesmo, e a Deus sobre todas as coisas'.

DJ TR:
Certa ocasião, em uma palestra, o senhor disse que Deus odeia o racismo. Existe na Bíblia alguma passagem que registra a atitude racista do homem e a providência de Deus contra isso?

Pastor Selmo:
Há uma passagem na Bíblia que apresenta uma situação de discriminação. Ela está no livro de Números (capítulo 12, versículos de 1 a 12), onde Miriam e Arão, irmãos do profeta Moisés, se queixaram com ele, porque se casara com uma mulher 'cuxita' (transliteração da palavra hebraica “cushit”, que significa “preta”).
Mais tarde, esta mesma palavra foi substituída pelos gregos, pela palavra 'etíope', que significa 'pele queimada'. Após a discriminação sofrida por 'Zipora', mulher de Moisés, Deus puniu a Miriam com lepra, tornando sua pele 'branca como a neve'. Isto quer dizer que tanto Miriam como seu povo, não eram, de fato, brancos (como os europeus geralmente representam os personagens bíblicos).

Quer saber mais?
Entre em contato com o Pastor Selmo pelo e-mail prsel41@yahoo.com Este endereço de e-mail está protegido contra SpamBots. Você precisa ter o JavaScript habilitado para vê-lo.

¹ DJ TR é morador da Cidade de Deus e membro-fundador do COMDEDINE (Conselho Municipal de Defesa dos Direitos do Negro) e da Zulu Nation Brasil (entidade representante das causas do movimento hip-hop no Brasil).