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"Agora é tempo para erguer nossa nação das areias movediças da injustiça racial e da discriminação para a pedra sólida da fraternidade." (Rev. Martin Luther King Jr.)

Sejam bem-vindos ao NEGOSPEL!

O que vem a ser o NEGOSPEL? - NEGOSPEL é um MOVIMENTO NEGRO EVANGÉLICO virtual e, ou, presencial cuja missão é de conscientizar os afrodescendentes e interessados no assunto quanto à sua historicidade, identidade, autovalorização e espaço tanto do ponto de vista histórico-teológico como étnico-sócio-racial lutando, assim, pela reparação nas áreas supra-citadas dentro de um recorte racial justo e verdadeiro ante às inúmeras injustiças resultantes na atual estratificação social. Portanto, continue conosco interagindo e divulgando nosso trabalho e muito obrigado pela sua visita!

Afroabraços,

Henrique Coutinho.



quarta-feira, 4 de novembro de 2009

O NEGRO E A BÍBLIA.

COMO UM TEÓLOGO VÊ A OPRESSÃO RACIAL NA SOCIEDADE E NA IGREJA.
Obtive permissão para acrescentar este artigo de extrema importância do
conhecido e extraordinário biblista que Joaquim Beato. Citado por muitos como
um dos primeiros a atuar na preparação da Teologia da Libertação na década de
50, ao lado de Richard Shaull, século XX, estudou na Escócia e na Inglaterra,
em Glasgow e Oxford, respectivamente, tendo realizado pesquisas e altos estudos
sempre na área da Teologia Bíblica. É um biblista de alto reconhecimento, não
há dúvida. Seu currículo em participações internacionais, como teólogo latinoamericano,
para ser lido por inteiro, necessita meia hora de leitura ininterrupta,
no mínimo. Presenciei isso quando o apresentava a alunos da Faculdade de
Teologia da igreja da qual somos professores e pastores. Ele é pastor emérito da
Igreja Presbiteriana Unida (IPU), tendo completado 60 anos de ordenação. Em
tempo, é negro e ainda, aos 85 anos de idade, participante ativo em movimentos
que tratam de libertação racial, na igreja e na sociedade, especialmente dos que
cuidam da pessoa negra e afrodescendente.
Derval Dasilio
PÁSCOA DE 2007
_______________________________________________________
O NEGRO NA BÍBLIA
É num texto biblico que tem sido procurada a justificação do escravismo e do
racismo anti-negro, entre os cristãos (Gn 9e20-27). Por isso, convém lançar um
olhar, ainda que rápido, sobre a Bíblia, num sentido mais amplo, para uma
verificação mais segura do testemunho das Escrituras Sagradas sobre o negro.
Temos na Bíblia o testemunho da presença do negro no quotidiano da sociedade
israelita.
1. Um escravo negro (cuxita) foi o mensageiro escolhido para levar a Davi a
notícia da morte de seu filho e adversário, Absalão (28m 18.21-32). Um escravo
ou um mercenário negro, por ser um estrangeiro foi, talvez por isso, preferido
pelo comandante Joab, para levar ao rei a trágica notícia.
2. Depois de ter lido em público os oráculos de denúncia e ameaça do profeta
Jeremias, Baruque, seu secretário, foi intimado a comparecer diante dos grandes
de Judá, levando-lhes o rolo (Jr 36.1- 26). O mensageiro enviado para convocar
Baruque foi Jeudi, bisneto de um negro (cuxita; Jr 36.14; CNBB e NTLH).
3. Por sua mensagem, que aconselhava abertamente a rendição de Judá a
Nabucodonosor, rei de Babilônia, Jeremias foi perseguido como traidor da pátria
e entregue pelo rei Zedequias ao arbítrio dos príncipes. Estes o jogaram num
poço em que não havia água, só havia lama (Jr 38.1-6). E o profeta se atolou na
lama, correndo o perigo de se afogar e morrer. Aparece, então, um negro, um
cuxita, cujo nome é dado como Êbed-Mélekh (literalmente, servo, isto é,
2
ministro do rei). Ele vai ao rei, intercede por Jeremias e consegue permissão
para salvar a vida do profeta. Esse negro é, portanto, alguém em alta posição na
corte, tendo acesso direto ao rei, que o devia ter em alta consideração, e, por
isso, atendeu seu pedido, embora fosse em desafio à decisão dos príncipes,
diante dos quais o rei se confessara sem nenhum poder (Jr 38.3, 7-13). Essa foi
uma ação tão notável que o etíope Êbed-Mélekh recebeu, em recompensa, um
oráculo, por intermédio do próprio Jeremias, em que lhe era prometido
livramento, quando acontecesse a destruição de Jerusalém pelo exército de
Nabucodonosor. Sua vida seria poupada, porque ele confiara no Deus Eterno (Jr
39.15-19).
4. Duas coisas chamam a atenção no cabeçalho do livro de Sofonias (Sf 1.1). A
primeira: é o único entre os profetas que tem seus antepassados citados até a
quarta geração. Charles Taylor Jr. afirma: "A razão é, sem dúvida, porque o
Ezequias mencionado é o rei daquele nome, que governara Judá de 715 a 687 a.
C.,, A segunda: Sofonias é declarado filho do Negro (Cuxita). Podem ser
formuladas duas hipóteses, para explicar esse caso: uma dama nobre, neta do rei
Ezequias, casara-se com um etíope, com um negro, que veio a ser o pai do
profeta; ou, então, seu pai, este sim, neto de Ezequias, recebera o nome de
Cuxita (etíope), em homenagem ao Egito, pais com que Judá se aliara em
oposição à Assíria. Qualquer que seja a hipótese adotada, torna-se evidente a
alta conta em que eram tidos os cuxitas (etíopes, negros) pela família real de
Judá.
5. Abraão foi o pai dos crentes, para judeus e cristãos, seu primeiro
antepassado na fé (Gn 12.1-4a), que teve a honra de ser considerado um dos dois
amigos de Deus, no AT (Is 41.8). Para os maometanos, ele foi um dos quatro
grandes profetas: Ibraim, Musa, Issa e Maomé. Seu primeiro filho, Ismael,
nasceu de sua relação com Agar, escrava egípcia, camita, portanto, negra, visto
como Gn 10.6 e lCr 1.8 colocam Etiópia, Egito, Líbia e Canaã como filhos de
Cam. Além disso, Deus sustentou, no deserto, essa mulher negra e seu filho e,
mais ainda, concedeu-lhe o privilégio de uma teofania, isto é, apareceu diante
dela e lhe falou (Gn 16.1-16; 17.23-27; 21.8-21). Através de Ismael, Agar se
tornou a matriarca de numerosos povos beduínos que habitavam o sul da
Palestina. E, segundo outras tradições, tornou-se uma ancestral de Maomé, o
fundador do islamismo, tido como descendente de Ismael.
6.Da máxima importância, neste contexto, é uma tradição que envolve o próprio
Moisés, o líder máximo do povo de Deus, no AT, libertador do povo de Israel,
em seu Êxodo do Egito, fundador da fé “javista.” Grande profeta, que também
teve o privilégio de ser considerado, como Abraão, um amigo de Deus. Homem
ímpar, de quem se diz: “Nunca mais surgiu em Israel profeta semelhante a
Moisés” (Dt 34.10-12). Existem três diferentes tradições sobre a origem étnica
de sua esposa. Uma atribui a ela origem midianita (Ex 2.16-22; 3.1; 4.24-26;
18.1; Nm 10.29). Outra, uma origem quenita (Jz 1.16; 4.11). A terceira fala de
seu casamento com uma cuxita (etíope, negra; Nm 12.1). Em todas as três, o
grande libertador de Israel tem por esposa uma mulher estrangeira. A terceira
tradição fala de uma esposa etíope, embora num texto que contém algumas
dificuldades. Qualquer que seja a solução das dificuldades, o texto indica, de
maneira suficientemente clara, que se trata de um casamento recente e, por
3
conseguinte, a esposa mencionada não era Zípora. E mais, que a causa da
rebelião de Minam foi a posição de Moisés como mediador único entre Deus e o
povo (Nm 12.2). Conclui-se, então, que não há nenhuma recusa contra o fato,
que é aceito, portanto, como normal, de que o fundador e legislador do povo de
Israel, -- o homem com quem Deus falava "face a face", a quem colocara “como
responsável” por todo o seu povo, -- o fato de que Moisés tivesse desposado
uma cuxita, uma mulher etíope, uma mulher negra.
7. Salomão foi, segundo a tradição, o mais sábio, o mais rico e o mais famoso
dos reis de Israel, e construtor do primeiro templo de Jerusalém. Pois bem, entre
as mais importantes raínhas-esposas de Salomão, estava a filha de um faraó da 2
ia dinastia, o faraó Shishak (cerca de 945-924 a.C.), pertencente a uma dinastia
de famosos mercadores. Essa egípcia era a mais importante das raínhas-esposas.
Seu pai tomou a cidade de Guézer dos canaanitas e deu-a como dote à filha, à
esposa camita, à rainha-esposa negra de Salomão (1Rs 3.1; 9.16; 11.1).
II
Temos, na Bíblia, o testemunho sobre a imagem dos negros como pareciam aos
olhos dos israelitas.
1. Os etíopes habitavam num país distante, remoto (Ez 29.10; Et1.1; 8.9), que
ficava nos confins da terra (Sl 72.8-9). No mundo da cultura grega, igualmente,
Homero, no nono ou oitavo século a. C., dizia: “Posêidon, porém, partira para
longe, em visita aos etíopes, que vivem nos confins da Terra...” (Odisséia 1.22-
24).
2. Seu pais era muito rico (Is 45.14a; Jó 28.19). Também no mundo da cultura
grega, talvez um século depois dessa passagem bíblica, Heródoto fala de
presentes enviados por Cambises, da Pérsia, a um rei dos etíopes: “um traje de
púrpura, um colar de ouro, braceletes, um vaso de alabastro cheio de essência e
um barril de vinho de palmeira”; e registra que só em relação ao invento do
vinho o rei etíope admitiu a superioridade dos persas. Relata que, na prisão a
que o soberano etíope levou, em visita, os emissários de Cambises, todos os
presos estavam agrilhoados com correntes de ouro, pois, afirma Heródoto, entre
os etíopes não era o ouro o metal mais raro e precioso, mas o cobre (História,
livro m, cps. XX-XXIII).
3. Eram um povo guerreiro. Um povo forte e orgulhoso, de quem o mundo
inteiro tinha medo (Is 18.2; cf. 2Cr 14.8). Esse capítulo de Isaías de Jerusalém
(8o. século a.C.) fala-nos de mensageiros, de diplomatas etíopes, que tinham
vindo tentar conseguir a participação de Judá numa rebelião geral contra a
dominação dos assírios (Is 18.1-2a). A Etiópia estava no auge de seu poder. Em
cerca de 725 a.C., Pianki empreendeu uma vitoriosa campanha militar para o
norte, chegando até o mar Mediterrâneo, e unificou o Egito. Pianki tornara-se,
assim, o primeiro conquistador estrangeiro desse pais. Por cerca de sessenta
anos, na 25a. dinastia, os soberanos etíopes controlaram todo o vale do rio Nilo,
até 663, quando os assírios, sob Assurbanipal, tiraram, finalmente, o Egito de
sob seu poder. Um desses soberanos, Tiraká, parece ter até tentado proteger
Ezequias, rei de Judá, contra a segunda invasão de Senaqueribe, rei da Assíria
4
(2Rs 19.9; Is 37.9), entre 689 e 686 a.C. Um século mais tarde, ao prever a
queda de Ninive (portanto, do império assírio), o profeta Naum cita a destruição
de Tebas e, recordando o período áureo do poderio etíope, diz: “A Etiópia era a
sua força.” (Na 3.9). Isaias, no oitavo século a.C., diz da Etiópia do seu tempo:
«Povo forte e poderoso; um povo de quem o mundo inteiro tem medo" (Is
18,2df).
4. Mas é em Jr 13.23,-- que alguns comentadores cristãos têm interpretado
como se os antigos israelitas compartilhassem o moderno preconceito racial
ocidental, que identifica o negro com o mal -- onde pode, ao contrário, ser
encontrada uma confirmação da fama guerreira dos etíopes: “Pode um etíope
mudar a sua pele, ou um leopardo tirar as suas manchas?” Temos aqui um claro
paralelismo, recurso estilístico dos mais importantes da poesia hebraica. Aqui
ele é sinonímico, isto é, os termos do hemistíquio se equivalem, um por um,
termo por termo:
a. pode um etíope / b. mudar a sua pele,
a'. ou um leopardo / b'. tirar as suas manchas?
A associação dos termos é bastante espontânea e significativa: Etíope, homem
de uma nação poderosa e ameaçadora, que causava medo por seu valor militar;
Leopardo: animal feroz, imagem da força, da rapidez no bote, da agressão
violenta (Os 13.7; Is 11.6; Jr 5.6; Hab 1.8; Ct 4.8; De 7.6).
Não se trata, portanto, de preconceito racial. Quando muito, se trata de um
ressentimento implícito, gerado pelas freqüentes situações de guerra, nas quais
esse “povo de quem o mundo inteiro tem medo” aparecia, ou no papel de
inimigo ou como guerreiros mercenários, lutando lado a lado com o Egito,
apoiando seu imperialismo (1Rs 14.25s; 2Cr 14.8-14; Na 3.9; Jr 46.9; Ez 38.53).
O etíope, o negro, temível guerreiro, é comparado, por uma livre associação de
idéias, a um verdadeiro leopardo feroz. À imagem do etíope associava-se a
imagem do leopardo, o que, nem de longe, se compara aos estereótipos que se
ligam à imagem do negro, em nossa sociedade.
5. Os etíopes, os negros, eram vistos pelos olhos dos israelitas antigos, como
homens belos. As palavras lisonjeiras da diplomacia com que Isaias se refere a
eles (Is 18.2bcd) transpiram admiração. Falam de sua alta estatura, de sua pele
lisa, lustrosa, suave. Também nisso concorre e concorda o mundo da cultura
grega. Heródoto, já citado anteriormente, diz a respeito dos etíopes: “Dizem que
os etíopes são, de todos os homens, os de maior estatura e de mais bela
compleição física... Entre eles, o mais digno de usar a coroa é o que apresenta
maior altura e força proporcional ao seu porte" (História, Livro III, cp. XX).
6. No Cântico dos Cânticos 1.5, fazem da noiva-rainha uma mulher morena,
uma mulher trigueira, uma mulher escura. Mas bons dicionários da língua
hebraica nos garantem afirmá-la uma mulher negra. Ela não diz: “Sou morena”,
mas, “Sou negra” (hebr. Sh.hora 'ani). E não diz:"Sou negra, mas sou formosa";
Diz: “Sou negra e formosa” (hebr. W.na'wah). A conjunção waw pode ter
sentido adversativo, mas é, normalmente. uma simples conjunção aditiva. Podese,
portanto, com fez a LXX (Septuaginta, 250 a.C.), traduzir: “Sou negra e
5
formosa” -Mélaina elmi kai kalê. Fica quase a certeza de que o senso estético
preconceituoso e etnocêntrico dos tradutores ocidentais não lhes permite dizer,
simplesmente, “negra e formosa”; preferem dizer “negra, porém formosa" ou
«formosa, embora negra". E nem mesmo «negra" a dizem. Como grande parte
dos brasileiros, inconscientemente (?) preconceituosos, preferem chamá-la
“morena.” E nada empana, nem mesmo essa noiva negra e formosa, esse amor
entre a noiva e o noivo, descrito de maneira tão poética, tão livre e
eloqüentemente, que faz do Cântico dos Cânticos um dos mais belos poemas de
amor da literatura universal.
III
Mais do que isso, temos na Bíblia o testemunho bastante explícito sobre o lugar
dos etíopes, dos negros, no propósito universal e escatológico de Deus.
1. Sua conversão está anunciada abundantemente. Haverá o dia em que
também eles trarão ao SENHOR as suas oferendas. Todas as nações distantes
louvarão o SENHOR. Todos os povos abandonarão seus ídolos e adorarão e
obedecerão somente ao SENHOR (Is 41.1,5; 42.4,10,12; 49.1; 18.7). Superada a
alienação, a idolatria, os povos chegarão a reconhecer no projeto da Aliança o
único caminho possível (Is 45.14).
2. Na mesma perspectiva, falam: a) o salmo 68, especialmente os vv. 29-32,
onde se encontra a seguinte promessa: “E a Etiópia estenderá as mãos para
Deus”; e b) o salmo 87, onde se declara que “O SENHOR escreverá uma lista
dos povos, e nela todos eles serão cidadãos de Jerusalém"(v.6); e, entre esses
povos, são citados, especificamente. os etíopes: “Os povos da Filistéia, de Tiro e
da Etiópia eu tratarei como se eles tivessem nascido em Jerusalém” (v.4b).
3. Mais significativo ainda é Am 9,7. 0 SENHOR Deus é o Senhor de toda a
história humana e todos os povos são iguais diante dele. Israel não deve
presumir ter mais importância para o SENHOR do que os etíopes, os negros:
“Povo de Israel, eu amo o povo da Etiópia tanto quanto amo vocês”. Os filisteus
e arameus foram também objetos do cuidado divino, e suas migrações foram
igualmente dirigidas pela vontade soberana do mesmo Deus que tirou Israel da
terra do Egito e lhe fez a dádiva da terra “que mana leite e mel”. Esse
universalismo expresso no oráculo do profeta nega a qualquer povo uma relação
exclusiva com Deus e afirma a igualdade de todos eles aos olhos dele. E a
relação que é primeiro apresentada nessas vigorosas palavras é a do SENHOR
com os etíopes. Essas palavras combatem qualquer veleidade de orgulho
nacional e, para o nosso tempo e para a nossa sociedade, qualquer sentimento de
orgulho racial.
4. É nessa mesma linha que se coloca a narrativa da conversão do oficial
superior, tesoureiro real, da corte da rainha Candace da Etiópia. A conversão se
deu por intermédio do ministério do evangelista Filipe (At 8.26-39). O texto é
de grande importância, pois mostra:
a.como os helenistas, tendo evangelizado Samaria, partem para a evangelização
das nações, de acordo com o programa do Senhor Jesus, em At 1.8; b. um
6
trabalho missionário cristão com uma estrutura reduzida e sob a orientação
direta do Espírito Santo; embora, assim mesmo, esse trabalho estivesse
subordinado aos apóstolos, em Jerusalém; c. sobretudo, para os
afrodescendentes, é importante porque mostra que o primeiro não-judeu
introduzido, pelo poder e pela orientação do Espírito Santo, no novo povo de
Deus, era um etíope, um negro.
Cumprem-se, portanto, no Evangelho de Cristo, a promessa e a esperança do
AT. A partir de Is 53.7-8, que o eunuco está lendo, Filipe lhe anuncia a Boa
Nova a respeito de Jesus. E ele aceita, imediatamente essa Boa Nova. Para José
Comblin “o africano representa aqui um papel messiânico. Foi escolhido para
representar a multidão de nações que viriam até das extremidades da terra pra
formar o único povo de Deus”. Era um homem rico e proeminente. Viera do
norte da África, da região hoje correspondente ao Sudão, para adorar. Era um
homem que estava diligente, sincera e insistentemente, buscando alguma
coisa. Inquieto, procurava alguma coisa que jamais tinha conhecido antes - e a
encontrou. Era um homem negro, que se tornou uma das primícias das missões
cristãs em todo o mundo não-judaico. Ele tornou-se o antepassado de todos os
homens negros, afrodescendentes, ganhos para a fé em Jesus, nesses vinte e um
séculos de história da Igreja e da missão cristã. Um símbolo de inclusão no
projeto do Deus que não faz acepção de pessoas e que, se jamais manifestou
alguma preferência, foi pelos oprimidos, os humilhados, os excluídos.
Do ponto de vista da Bíblia, não há, portanto, por que nós, afrodescendentes,
carregarmos nossa negritude como se fosse um fardo, uma humilhação, idéia
nefasta essa que o racismo anti-negro presente em nossa sociedade insiste em
introjetar, desde nossos primeiros anos de escola, de diversas maneiras, em
muitos de nós. A Bíblia reconhece um Deus que inclui no seu projeto de
salvação até mesmo “os confins da terra” e os humilhados deste mundo*. A
Bíblia dá testemunho da beleza e da força da mulher negra e do homem negro. E
esse reconhecimento e esse testemunho devem constituir um poderoso impulso
para nós, negros cristãos, em nossa luta pela igualdade de oportunidade, pela
nossa cidadania, pelo pleno reconhecimento de nossa humanidade!
----------
Joaquim Beato
*Portanto, do ponto de vista das justificativas bíblicas que nossos fundamentalistas
evangélicos estão prontos a sacar de suas versões ultra-conservadoras,
onde se poderá sustentar corretamente o que a Bíblia diz sobre negros oprimidos
pelo racismo, aqui e em qualquer parte do mundo? Esse assunto deveria ser
tratado com mais seriedade nas igrejas. Os jovens poderiam ser agentes do
Reino de Deus exigindo mais atenção da Teologia e da Igreja para com o
racismo latente, do qual se poderia dizer que não passa de brasas sob a cinza
(Nota do Editor).

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